terça-feira, 18 de julho de 2017

E pela janela, vozes...

    Como boa mineira, minha avó amava observar o movimento da rua pela janela da sala da casa onde morava. Acho que aprendi com ela a me divertir com isso, apesar de ter sempre a sensação de que estou perdendo meu tempo ou que isso é coisa de quem não tem o que fazer! Parei pra pensar nisso dia desses e percebi que podemos tirar proveito da atividade! Mineiros não são bobos não! É gente esperta, que gosta de aprender com a vida!
     Da janela do quarto onde durmo, vejo (e ouço) o parquinho do bairro. Uma regalia, diga-se de passagem, já que o comum por aqui é olhar pela janela e ver outras janelas... ou apenas paredes! Às vezes abro a janela, quando acordo, pra deixar o sol entrar e não é raro entrarem também várias vozes...
     A da faxineira do prédio na segunda-feira de manhãzinha, junto com o barulho da mangueira de água na calçada (!!!) costumava me irritar um pouco, já que o que eu ouvia era aquela conversa de gente "intrigueira", antes mesmo de abrir a janela ou mesmo meus olhos: "Mas ela disse que ficou com raiva de mim e eu nem liguei. Disse que não tava nem aí pra ela! Quem mandou ela dar 'de cima' dele?". Mas essa faxineira já foi embora! Ufa! (E a atual é muito agradável!)
     A voz de papais e mamães esbravejando um "não sobe aí que você vai cair", ou enaltecendo suas crias com um "muito bem, filha, que lindo!", ou ainda "como você é corajoso e forte!", ao ouvirem os insistentes, porém inocentes chamados de "mãe, olha! Olha pai!", o que, de algum modo, sempre aviva emoções dentro do peito, trazendo gostosas lembranças de quando eu levava minhas duas menininhas lindas e pequeninas ao parquinho. O que me faz pensar ainda que o tempo de fazer isso com meus netos não está mais tão distante! (E o coração até bate mais forte!)
     Ouço também a voz meio sussurrada de homens e mulheres varrendo de um lado pro outro as folhas que, devagar, vão caindo das árvores, ou podando as plantas que insistem em se desenvolver com tanta rapidez, me envolvendo em suas conversas tão cotidianamente curiosas e mineiramente deliciosas!
     Mas o mais gostoso é o vozerio das crianças! E aí não só ouço, como vou, algumas vezes, para o parapeito dar uma de "minha vó".
     Uma escola pública aqui ao lado costuma levar as crianças pro parquinho na hora do recreio ou na aula de educação física. E as vozes costumam chegar ao segundo andar em tons e formas variadas, às vezes meio cochichadas, outras esbravejando, muitas vezes em gargalhadas ou até mesmo como choro. E aqui do alto já me flagrei sozinha também indignada, ou chorando, muitas vezes rindo ou dando gargalhas! Vou acompanhando uma ou outra vidinha numa rápida fração dos seus infinitos momentos e me sinto, de novo, privilegiada!
     "Mariana, olha o que eu consigo!", grita Letícia; e Mariana se auto-desafiando desce também o morro correndo pra mostrar pra Letícia que ela também consegue... mas chega ao fim rolando, com dois joelhos ralados e muitas lágrimas no rosto! Mariana se compadece, mas Lucas começa a rir! Quase grito aqui do alto: "Lucas, que coisa feia!"
     O professor grita: "Entenderam a brincadeira? Vamos começar o jogo então!". E aí a gente escuta os que não sabem perder gritando o tal "assim não vale" ou "vamos mudar de brincadeira, essa tá chata!".
     Tem também as meninas que, brincando "de casinha", vão narrando seus papéis: "agora eu sou a mãe e você é a filhinha. Vou fazer comidinha pra você e você não vai querer comer..."
     Ou os meninos conversando sobre os poderes mais legais de cada um dos seus super- heróis!
     E foi numa dessas conversas de menino, o que por acaso me levou a escrever esse texto, que ouvi a voz mais engraçada e dei uma gostosa gargalhada.
     O menino devia ter uns 5 ou 6 aninhos. Brincava com um amiguinho, cada um encarnando o seu personagem, e então ele diz: "Eu queria ser um monstro que peidasse toda hora!"
     É possível que ele um dia realize seu sonho, mas enquanto isso não acontece, fico aqui da janela torcendo pra que ele vá amadurecendo e consiga lidar com a frustração de não poder ser, ainda, o Monstro peidorreiro!


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