quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Abraço suspenso

     Tirando as histórias do baú!
     Hoje me lembrei, nem sei porque, de uma dessas histórias tragicômicas que a maioria de nós tem pra contar... no meu caso não é só uma, mas fiquemos com essa por enquanto.
     Havia pouco tempo que eu dava aula para o ensino médio, numa escola particular. Era idealista, cheia de sonhos e ideias, eu tinha certeza que ia mudar o mundo... ou pelo menos o mundinho da sala de aula!
     Uma das minhas prerrogativas era conhecer cada aluno, procurar um contato mais pessoal na medida do possível, tentar estabelecer uma relação próxima com eles, poder conversar sobre a vida, além da Literatura, enfim... sempre gostei de trocar ideia com adolescentes e jovens! Queria ensinar e aprender!
     E nesse momento devo esclarecer que vou usar somente as iniciais dos nomes das pessoas envolvidas, só pra não causar nenhum constrangimento, caso esse texto "vaze"!
     No geral, conseguia gravar nome de muitos alunos, mas tenho uma certa "dislexia" nesse sentido. Por exemplo: Henrique e Bernardo pra mim são nomes muito próximos, com um mesmo jeitão, assim como Lucas, Tiago e Mateus, Isabella e Luíza, Valquíria e Verônica e tantos outros... e acontece (com frequência) de eu trocar um pelo outro! Mas, normalmente, sou boa de fisionomia... o que não foi o caso dessa vez.
Estávamos ainda no primeiro bimestre, e eu ainda me habituando a nomes e feições. Recebemos, então, a notícia da morte trágica de um ex-aluno. Acidente de carro! Foi uma comoção geral na escola, muita tristeza, inclusive porque a irmã dele, S., ainda estava conosco.
Foi explicado aos professores que S. faltaria algumas aulas até se sentir novamente encorajada a voltar, e fomos instruídos a ter paciência e lidar com a situação com delicadeza.
Certo dia, soube que S. tinha retornado ao colégio. Eu daria aula na sala dela após o intervalo. No intervalo, então, ao sair da sala dos professores para ir à biblioteca, me deparei com S. e resolvi parar e falar com ela. E sem explicar nada, apenas disse: " Posso te dar um abraço?". Ela, com uma expressão de completo espanto, só acenou que sim com a cabeça... e duas de suas amigas ficaram ali do lado só observando estupefatas o "nosso" abraço. Olhei pra ela e disse: "Queria que você soubesse que estou orando por você e por sua família!". Ela esboçou um sorriso desentendido e disse: "Obrigada!". E saiu rindo com as suas colegas. Fiquei meio sem entender tanta risada, mas... "adolescente é adolescente", pensei, feliz em vê-la já mais "alegrinha".
Após o intervalo, entrei então na sala de S. para dar minha aula. Olhei em direção às carteiras da direita e vi a menina na qual eu havia dado um abraço. Sempre dei aula olhando para cada um dos alunos, tentando me fazer entendida por cada um... e foi então que, ao olhar para as carteiras do meio, vi S., sentada, quieta, me olhando com o olhar perdido e triste...
Sim, eu abracei a menina errada!!!
E então entendi o porquê de tanta risada!
Até hoje fico pensando o que B., a menina que abracei, ficou pensando daquele abraço, assim do nada, de uma mulher que ela mal conhecia!
E até hoje também fico com a sensação de ter um abraço "suspenso" nessa vida! Um dia ainda encontro S. por aí e faço a mesma coisa que fiz com B. e me livro desse abraço suspenso que vez ou outra ainda toca os ombros. Pelo menos estarei abraçando a pessoa certa... ainda que com uns 15 anos de atraso!

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