quarta-feira, 23 de abril de 2014

Bombril ou bolinha de gude?

(Inspirado num causo de infância do amigo Ehud.)

     A cidade era pequena e, naquele tempo, a gente podia ver os meninos brincando alegremente na rua. Naquele tempo também, os armazéns tinham o nome dos donos e a gente costumava dizer: vai ali no armazém do Zé, do Juca... ou simplesmente "vai lá no Juca".
     O menino tinha uns 9 ou 10 anos.
     Era levado, "traquina" diria meu avô, mas costumava ser obediente.
     - Deco, vai ali na venda do seu Jovino pra mim? - gritou a mãe lá da cozinha.
     Deco que, com desinteresse, olhava da varanda o cachorro fuçando a terra no quintal, sem vontade de ir lá brincar com ele, logo se levantou e foi ao encontro da mãe.
     - Comprar o quê, mãe?
     - Bombril, meu filho. Tenho que arear a frigideira do torresmo de ontem e queria também ver se limpava o ferro. Ah! Traz vela também, assim limpo o ferro direito.
     - No seu Jovino tem vela??
     - Claro! É um armazém! Tem tudo!!! - e sorriu
     O garoto pensou:
     - Bolinha de gude nunca tem!
     E emendou com voz disciplinada, pegando as duas notas da mão da mãe:
     - Bombril e vela, né? Posso ficar com o troco?
     - Isso mesmo, bombril e vela e nada de ficar com troco não senhor, pois tenho que comprar pão pro lanche da tarde.
     O menino colocou as duas notas no bolso e saiu andando tranquilo pelo quintal, fez um chamego no cachorro e alcançou o portão que ficava nos fundos. Por ali o caminho era um pouco maior, já que ele tinha que dar a volta na rua, mas como ele não tinha mesmo o que fazer, ia se divertindo olhando "as gentes" pelo caminho.
     Ao dobrar a esquina da rua de trás, ele viu de longe os moleques jogando bolinha de gude no campinho. Um sorriso se desenhou em seus lábios e ele até começou a andar mais rápido em direção ao campinho... bolinha de gude era o seu fraco!
     Parou ali observando, e Maneco gritou:
     - Entra aí, Deco!
     - Tô sem boleba nenhuma, Maneco!
     - Tem problema não, te arranjo algumas!
     - Então tá, tô dentro!
     E ali ficou o garoto, com o Maneco e outros meninos, dando peteleco e mais peteleco nas bolinhas de gude e capturando todas elas. Ele era mesmo muito bom naquilo! No final, estava com os bolsos cheios de bolinhas de gude!!!
     Alguns dos meninos, desanimados e sem muitas bolinhas, foram se dispersando e daqui a pouco as mães gritavam por cada um deles para irem pra casa almoçar.
     E depois de tanto peteleco, a fome bateu mesmo! Deco tomou o rumo de casa, não sem antes devolver as bolinhas que Maneco lhe cedera.
     Chegou em casa todo entusiasmado com suas novas bolinhas de gude!
     Entrou pela frente, atravessou a sala e a copa e, ao ver a mãe na cozinha, perguntou:
     - E o almoço, mãe, sai ou não sai?
     - Uai, menino, cadê o bombril e a vela? E que demora foi essa?
     Ele olhou pra ela com susto e fez aquele ar encabulado:
     - O bombril e a vela? Não trouxe não... mas olha o tanto de boleba que eu ganhei!
     Tirou as bolinhas do bolso e as duas notas estavam emboladas ali junto.
     A mãe, já imaginando o que teria acontecido, pergunta:
     - E não trouxe porquê? Tá em falta no seu Jovino?
     E o menino, com certo constrangimento na voz:
     - Mãe, eu me distraí de novo! Nem fui no seu Jovino. Fiquei tão empolgado com as bolinhas de gude que eu ganhei... Eu esqueci! Desculpe, eu não cumpri a minha missão!
     A mãe achou gozado aquele jeito de falar do menino e retrucou:
     - É Deco, sua missão não era mesmo jogar bolinha de gude! Mas deixe estar... depois do almoço você vai lá e cumpre a sua missão direitinho. Mas dessa vez vai pela rua da frente pra não ter que passar pelo campinho. Vai que você se distrai de novo, né?


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